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A SEGUNDA CHAMADA DE PROVA DEVE SER MAIS DIFÍCIL DO QUE A PRIMEIRA?

  • Foto do escritor: SABELETRAS
    SABELETRAS
  • 18 de dez. de 2022
  • 8 min de leitura

Atualizado: 20 de dez. de 2024

É comum se ouvir entre professores e gestores educacionais que uma prova de segunda chamada – em algumas instituições educacionais denominada prova substitutiva – deve ser mais difícil do que a primeira chamada. A segunda chamada é uma prova de qualquer disciplina em uma instituição de ensino aplicada depois da primeira prova em um dia e horário diferente e posterior à data e ao horário da primeira prova. Em geral, isto ocorre alguns dias depois da primeira prova. Este recurso é utilizado por estudantes que por algum motivo de força maior não puderam comparecer no dia da primeira prova.


Os argumentos para justificar um nível de dificuldade maior na segunda chamada se relacionam à ideia de que muitos estudantes podem faltar à primeira prova apenas para ganhar tempo de estudo, para saber dos colegas como foi a primeira prova, e assim, se prepararem melhor. Alega-se que as justificativas são muitas vezes falsas e fraudadas. Estes argumentos ignoram o fato simples de que a aplicação de segunda chamada é um direito. Mesmo que seja verdade que alguns estudantes recorram a este tipo de expediente, o fato é que muitos se utilizam da prova de segunda chamada por razões justas, verdadeiras e legítimas.


Tendo dito isto, este artigo apresenta razões pelas quais a prova de segunda chamada não deve ser mais difícil do que a primeira. Não se trata de analisar as motivações dos estudantes, mas sim de analisar fatores éticos e técnicos da avaliação e do ensino que deveriam levar qualquer professor a reavaliar suas posições caso pense que uma prova de segunda chamada deva ser mais difícil do que uma prova de primeira chamada. É oportuno ressaltar que a presente discussão não implica a exclusão de outras formas de avaliação. Apenas considera-se aqui o que é uma prática comum em contextos educacionais: a aplicação das provas tradicionais.

A prova deve ser justa

Todos os estudantes têm direito a condições adequadas e iguais para demonstrar o seu desempenho da melhor forma possível. Isto significa que nenhuma forma de avaliação pode ser elaborada contra o estudante e tampouco deve privilegiar alguns em prejuízo de outros.


Contudo, isto não significa que os professores devem avaliar os estudantes da mesma forma e com os mesmos instrumentos. Personalizar a avaliação, usar instrumentos alternativos às provas e aplicar provas diferentes são todas decisões legítimas dos docentes. O que não deve ocorrer é a ação deliberada de tornar o processo mais difícil para alguns. É neste sentido que as condições devem ser iguais: os meios e possibilidades para o estudante demonstrar seu aprendizado não devem ser concebidos de tal modo que alguns sejam favorecidos e outros impedidos de alcançar o seu potencial máximo. Este é um aspecto ético do processo de avaliação.

A prova deve ser uma amostra adequada dos conteúdos, competências e habilidades trabalhadas ao longo do período de ensino

Os conteúdos, competências e habilidades estudados ao longo de um período precisam estar representados em ambas as provas. Tanto a primeira quanto a segunda chamada se destinam a avaliar o que foi ensinado e precisam fazer isso de uma maneira adequada, representativa do processo de ensino. Desse modo, não deve haver lugar para escolher os conteúdos e competências mais ‘difíceis’ para uma segunda prova, pois tal ação equivaleria a sabotar o processo avaliativo dos estudantes que fazem a prova de primeira chamada, os quais também devem demonstrar domínio dos temas de maior dificuldade. A questão nesse caso é de natureza tanto pedagógica quanto técnica em relação à maneira de se desenvolver uma avaliação.

É difícil definir o nível de dificuldade de uma prova antes de sua aplicação

Os professores podem adotar diversas estratégias para definir o nível de dificuldade de uma avaliação, mas na maioria das vezes isto será feito de maneira pouco fundamentada em dados.


Um modo de avaliar o nível de dificuldade de uma prova é por meio da escolha dos conteúdos e competências de maior complexidade. Mas, conforme a discussão anterior, este procedimento apresenta implicações pedagógicas e técnicas no campo da avaliação questionáveis.


Uma segunda maneira de definir o grau de dificuldade de uma prova seria pelo uso de taxonomias de objetivos educacionais aplicadas à avaliação. Nesse caso, processos cognitivos superiores, de maior complexidade, seriam exigidos na resolução de questões de uma prova. Exemplos desses processos na famosa taxonomia de Bloom são a memorização, a compreensão, a aplicação, a análise, a avaliação, a síntese e a criação. Esta opção, porém, recai no mesmo problema da seleção de conteúdos citada anteriormente. Simplesmente não faria sentido poupar os estudantes de uma primeira chamada de demonstrar domínio desses processos cognitivos superiores e exigir isto daqueles que fazem uma prova de segunda chamada. A iniciativa seria injusta e em prejuízo de ambos os grupos.


É provável que muitos professores adotem uma outra maneira de elaborar provas: selecionam de um texto ou livro algumas passagens e propõem perguntas sobre tais trechos. Esta pode ser uma possibilidade de avaliação se existir transparência quanto ao uso dos materiais no ensino e na avaliação. Mas, novamente, quaisquer trechos escolhidos devem ter chances iguais de serem selecionados quer para a primeira quer para a segunda chamada. Uma seleção criteriosa de certos trechos para elaborar provas mais difíceis revelaria intenções questionáveis do ponto de vista ético na mesma linha do que temos insistido até aqui.


A verdade é que todas estas formas de definir o nível de dificuldade de uma prova são ou teóricas ou intuitivas. Simplesmente chega-se à conclusão que analisar ou criar são atividades mais difíceis do que memorizar ou compreender. Além disso, certos conteúdos, competências, habilidades e passagens dos materiais de ensino são tratados como mais difíceis, e pode até ser que sejam mesmo, mas esta conclusão não considera as particularidades dos estudantes nem individualmente, nem como grupo, sendo muito mais uma apreciação que o professor faz dos assuntos ensinados. Mas e se certos estudantes ou grupos de estudantes se desempenharem melhor do que outros? Em tal situação, o nível de dificuldade será diferente em cada caso. Fica claro que a definição do nível de dificuldade é meramente intuitiva. Será que existe uma outra maneira de definir o nível de dificuldade de uma prova?


A resposta é afirmativa se o olhar se deslocar do que foi ensinado e se concentrar no desempenho do grupo de estudantes. Um caminho seria indagar da(o)s estudantes como elas ou eles avaliam o nível de dificuldade das questões, o que pode ser feito de maneira informal ou por meio de questionários, até mesmo em um espeço final da prova. Avaliações de larga escala definem o nível de dificuldade de uma prova identificando a proporção de acertos às questões e se estas diferenciam entre estudantes com o melhor e o pior desempenho, dentre outras técnicas possíveis. O procedimento é empírico e utiliza métodos estatísticos. Nas grandes avaliações, é somente assim que se pode ter certeza se uma questão é difícil ou fácil para um grupo de estudantes. É bastante comum se desenvolverem pré-testes e testes pilotos da prova com uma população numerosa de sujeitos com características muito parecidas com as daqueles que serão avaliados para se chegar a uma definição mais precisa do nível de dificuldade.


É evidente que é muito difícil para professores no contexto de uma sala de aula desenvolver uma análise tão criteriosa e técnica de suas questões de prova, embora seja possível usar ao longo dos anos as mesmas questões em diferentes turmas e registrar progressivamente os resultados de desempenho das respostas às questões. A partir daí seria possível construir um banco de questões com diversas opções para a construção de provas futuras. Mas esta abordagem também apresenta desvantagens, pois o uso das mesmas questões em anos seguidos facilitaria a sua circulação entre os estudantes com resultados negativos para o processo avaliativo. Além disso, o projeto seria laborioso e de difícil realização, em geral fora do alcance e contrário às escolhas de muitos professores, que preferem elaborar novas questões e variar materiais de ensino.

São por essas razões que se pode afirmar que a intenção de se aplicar provas de segunda chamada mais difíceis esbarra tanto em problemas técnicos – sendo uma iniciativa de difícil realização – quanto éticos – uma vez que a intenção é questionável. Mesmo que o professor consiga elaborar provas mais difíceis, pode-se levantar questionamentos sobre suas razões visto que o processo de ensino é o mesmo para todos, os objetivos são os mesmos e o procedimento de segunda chamada é um direito. Então, o que poderia motivar os professores a adotar procedimentos tão distintos? O argumento de que os estudantes tentam ganhar tempo é frágil, pois de qualquer modo, ao fazer a segunda chamada, terá sido ganho algum tempo, mesmo que relativamente curto. A ideia de que o estudante tentará conseguir informações privilegiadas sobre a prova também não se sustenta se o processo de ensino e avaliação dos professores forem alinhados. Afinal, espera-se que os professores avaliem o que ensinam, não é mesmo? Em avaliação, podem existir questões e problemas novos, mas não surpresas.

Mas se a definição do nível de dificuldade é um procedimento de difícil definição para uma prova de segunda chamada, a situação é a mesma para uma prova de primeira chamada. Estariam, então, os professores às cegas, sem nenhuma possibilidade de controle sobre seus procedimentos de avaliação?

Análises empíricas e estatísticas que possibilitam monitorar o nível de dificuldade de uma prova não costumam ser muito comuns – embora não sejam impossíveis – para a realidade dos professores em contextos de sala de aula. Isto acontece por indisponibilidade de tempo, falta de conhecimento para desenvolver tais análises, número insuficiente de estudantes para um tratamento válido dos dados ou devido a inexistência de outros recursos necessários. Ainda assim, os professores podem contornar em parte este problema por planejarem a sua avaliação. Este planejamento recebe o nome de especificações na literatura técnica em avaliação.

Em síntese, as especificações precisam conter os objetivos da avaliação, o perfil dos estudantes avaliados, as competências, os conteúdos e os tipos, quantidades e, às vezes, sequência das questões. É importante que este planejamento reflita o conteúdo de outros documentos educacionais, tais como os planos de curso e os planos de aula. Uma vez redigido o documento de especificações, ele poderá ser usado para elaborar diferentes questões de uma prova. Como resultado, as questões serão diferentes, mas os objetivos, conteúdos e competências serão os mesmos. As especificações precisam, portanto, apresentar as instruções para a elaboração de questões individuais e para a montagem de toda a prova. Se, então, a(o) professor(a) construir um banco de questões com base nas especificações, a elaboração de uma prova de primeira ou de segunda chamada será simplesmente uma tarefa de selecionar do banco as questões que devem compor a prova de acordo com as especificações.

Nas provas de larga escala, as questões e provas inteiras são analisadas com diferentes métodos de pesquisa qualitativa e quantitativa para se assegurar que seus resultados são confiáveis e válidos. Embora esta não seja a situação da maioria dos docentes em um contexto institucional, o planejamento da avaliação por meio de especificações constitui um recurso útil para melhorar a qualidade das provas e, em projetos coletivos, facilitam a criação de muitas questões a serem elaboradas e aplicadas por diferentes professores a estudantes do mesmo nível de ensino.

Mas não menos importante é o fato de que o planejamento favorece a construção de provas com as mesmas características e níveis de dificuldade – mesmo que seja difícil constatar isso empiricamente. Como resultado, as provas de primeira e segunda chamada podem ser desenvolvidas e aplicadas sem lugar para dúvidas e questionamentos éticos e com o maior esforço técnico possível para um processo pedagógico e avaliativo condizente com a seriedade da atuação docente.

Newton Paulo Monteiro

Mestre em Letras e Linguística

Professor do Centro Universitário Alfredo Nasser


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