Avaliação - as regras são claras?
- SABELETRAS

- 31 de ago.
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Atualizado: 1 de set.

A rotina escolar exige a realização de muitas tarefas. Professores ficam absortos em ensinar e avaliar. Estudantes em estudar e aprender. Pais e responsáveis em deixar e buscar seus filhos na escola, e quando muito em acompanhar seu desempenho. Escolas e seus gestores estão envolvidos em administrar tudo o mais que é necessário para o bom funcionamento escolar.
Mas neste necessário pode ser que nunca se pense em definir regras claras para as atividades de avaliação - pelo menos não até que surjam problemas. Podem, por exemplo, surgir dúvidas sobre o que é aceitável fazer em uma prova ou atividade avaliativa, sobre prazos, sobre o que fazer com os resultados da avaliação. Podem surgir reclamações de injustiça e desinformação por parte do professor, ou reivindicações de chances para melhorar as notas. Pode não ficar claro como as notas são compostas. Pode ser ainda que os estudantes e responsáveis não compreendam que seus resultados precisam ser usados para a melhoria de seu desempenho escolar (situação em que o professor poderá apresentar informações mais detalhadas de desempenho e recomendar ações). Em quaisquer desses casos, uma política formalizada, escrita e de conhecimento dos envolvidos poderá ser de ajuda para dirimir quaisquer questões e orientar a comunicação sobre as práticas de avaliação.
Por isso, é importante que a escola e seus profissionais dediquem tempo e reflexão à construção de um conjunto mínimo de regras ou princípios norteadores da avaliação. Não, os princípios apresentados na LDB não são suficientes; nem a seção do projeto político-pedagógico que trata de avaliação. Esses são documentos fundamentais, mas não contemplam tudo o que é necessário para assegurar uma boa prática avaliativa em contexto escolar. Afinal, cada escola tem suas particularidades. Mas será que as regras definidas pelo professor e inseridas na abertura de uma prova ou atividade cumprem este objetivo? De novo, este é um elemento importante, mas também insuficiente.
Em outros textos já falamos da importância de se construírem rubricas de avaliação e se produzirem especificações ou projetos para os instrumentos de avaliação. Também abordamos questões de ética e boas práticas. É importante deixar claro que todos esses documentos e práticas são importantes em uma política institucional de avaliação, mas elas ainda não são as regras claras a que nos referimos no título deste texto.
Uma vez produzida e aprovada tal política, a gestão escolar fará bem em registrar isso em ata e nenhuma alteração deverá ser feita até que surja um novo momento de atualização. Quando este momento chegar, será pertinente adotar procedimentos formais e registros dessa atualização. Esses incluem o agendamento formal de reuniões com a devida publicidade aos interessados e o registro e publicidade das decisões tomadas. Datar o documento e manter um registro de suas atualizações para consulta e verificação posterior são passos importantes. Tudo deve ser feito com transparência e rigor, permitindo-se demonstrar o comprometimento da escola com todos os afetados por suas atividades. Tal postura também resulta em segurança jurídica, respeito e reputação para a escola.
Por que elaborar uma política de práticas de avaliação
O motivo principal para se produzir uma política de avaliação é evitar desentendimentos, definir direitos e deveres, orientar sobre procedimentos e resguardar a escola e todos os envolvidos. Portanto, tal política precisa ser elaborada por escrito e tornada pública de alguma forma. Não é necessário que este documento aborde cada situação possível; mas ele deve conter orientações básicas para a construção de soluções para problemas decorrentes das avaliações.
Além disso, este documento precisa estar alinhado com outras regulamentações, tais como o projeto-político pedagógico, o calendário escolar, a LDB e outras legislações educacionais no caso de escolas públicas, ou normas de grupos privados. Também pode ser importante levar em conta outras fontes reguladoras que não são do universo educacional. Por exemplo, ao tratar dados de avaliação dos estudantes, será importante atender às normas da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
Em alguns casos, pode ser que esta política já seja definida por secretarias municipais ou estaduais ou pela sede de um grupo privado do ramo educacional. Mas se esta política não existir, é importante que seja produzida e aprovada pelos participantes da cena escolar, o que inclui gestores e professores no mínimo, mas também estudantes e responsáveis - sempre que possível. Se produzida coletivamente, tal política será mais abrangente em seus temas e poderá ter maior receptividade. Depois, tal documento deve ser de conhecimento de todos os afetados por ele. Isto não significa que o documento deva ser postado no site da escola ou em outro ambiente online, nem que cada envolvido deva receber uma cópia impressa dele. O importante é que haja conhecimento de sua existência e conteúdo, o que pode ser feito de forma regular em reuniões escolares da equipe e também com estudantes, pais ou responsáveis. Quaisquer regras que os professores estabeleçam para os estudantes não devem contradizer tal política, e, portanto, todos devem ter acesso e conhecimento do seu conteúdo.
Um fator adicional é que tal documento não deve ser uma camisa de força que retire toda a autonomia dos professores na elaboração de suas avaliações (a menos que isto já esteja, lamentavelmente, definido por órgãos governamentais ou matrizes de grupos privados) e tampouco deve privar os estudantes de seus direitos sob a alegação de que são regras escolares. O objetivo do documento deve ser criar uma via comunicativa para evitar e solucionar eventuais problemas. O documento deve dissipar receios, criar certas expectativas e rechaçar outras. Ele deve servir de base para conversas com estudantes e seus responsáveis e também para o corpo docente.
O que uma política escolar de práticas de avaliação precisa contemplar
Uma política de avaliação para a escola precisa prever direitos, deveres, processos ou procedimentos e deixar claros os papéis dos sujeitos escolares. Em tempos de inteligência artificial e fácil acesso a inúmeros recursos tecnológicos, tal política fará bem em também abordar o uso dessas tecnologias ou, pelo menos, fazer referências a outros documentos institucionais que abordem tais temas.
Pais e responsáveis - os pais e responsáveis possuem direitos e deveres relacionados às avaliações de seus filhos. Eles têm direito a informações claras sobre o desempenho dos estudantes, a esclarecimentos de como a escola utiliza os resultados das avaliações para melhorar a educação e tomar decisões e a orientações de como eles mesmos podem ajudá-los. Os pais também precisam ser informados de seus deveres, que se relacionam em grande parte à importância de sua presença e acompanhamento para o efetivo sucesso formativo dos estudantes. Além disso, os pais precisam ser informados sobre procedimentos de recuperação escolar, recurso para provas e outras formas de avaliação, apresentação de laudos, justificativas de ausências e solicitações de segunda chamada.
Estudantes - os estudantes têm direito a informações claras sobre o seu desempenho. Eles precisam compreender em que áreas se destacam e em quais precisam de melhorias. Nesse sentido, precisam ser informados sobre as opções oferecidas para desenvolver seu potencial ou remediar seus problemas. Os estudantes têm direito a uma avaliação formativa, antes de qualquer decisão sobre seu percurso acadêmico. Eles também têm direito a recursos sobre provas e atividades de avaliação e a datas alternativas para avaliações em razão de ausências justificadas (ex. ausência em dia de prova por questões de saúde justificada com atestado médico). A escola também fará bem em contemplar os deveres dos estudantes, incluindo questões sobre plágio, uso de IA e outras tecnologias nas atividades de avaliação. Devem ficar claras quais são as consequências de condutas desonestas e fraudes. No entanto, pode ser que a escola incorpore formas de avaliar que incluam atividades de pesquisa e consulta, acesso à internet e até o uso de inteligência artificial. Em tais situações, o uso da tecnologia pode até ser obrigatório. Tais diferentes possibilidades precisam ser previstas na política, que deverá explicitar se o professor tem autonomia quanto a quando adotar tais tipos de avaliação, ou se esta decisão cabe à gestão escolar.
Gestores, técnicos escolares e terceiros - questões de avaliação também envolvem os gestores escolares (incluindo proprietários) e colaboradores técnico administrativos tais como secretárias, técnicos de TI e outros profissionais com acesso a dados dos estudantes. Questões éticas de confidencialidade e guarda dos dados precisam ser contempladas, deixando claro que estes sujeitos do contexto escolar não têm autonomia para extrair, compartilhar, divulgar ou alterar dados dos estudantes. Ao abordar o acesso de outros a dados de avaliação, a política da escola também fará bem em deixar claro sempre que tais informações forem geridas ou de acesso por empresas contratadas (ex. empresas terceirizadas de gestão acadêmica; plataformas externas de ensino e avaliação etc.).
Professores - a política escolar para avaliação precisa deixar claro o escopo da autonomia do professor e as restrições que definem quais questões são prerrogativa da própria escola. Também precisa prever se certas decisões serão tomadas com o acompanhamento da coordenação ou diretoria acadêmica ou de um conselho escolar. O professor está sujeito às mesmas exigências de confidencialidade que gestores, técnicos e terceiros estão, sendo que, por vezes, seu cuidado deverá incluir a guarda dos próprios instrumentos de avaliação antes e depois de respondidos. Por exemplo, a política precisa definir com quem ficam provas e trabalhos não recolhidos por estudantes e seus responsáveis e por quanto tempo. Algumas instituições exigem que a guarda seja feita na própria escola, ao passo que outras permitem que o professor leve o material para sua residência. Além disso, pode ser importante deixar claro em qual ambiente o professor poderá elaborar, corrigir e consultar os instrumentos de avaliação, bem como preparar suas aulas e atividades de ensino. O professor também deve ser informado dos direitos dos pais, responsáveis e estudantes em questões de avaliação.
Uma boa política escolar de avaliação também deverá definir que documentos serão apresentados para estudantes, pais e responsáveis. Pode ser que a escola produza diferentes formatos de relatórios e boletins com diferentes níveis de acesso às informações. Um boletim para um estudante pode trazer informações detalhadas sobre seu desempenho, ao passo que os responsáveis talvez recebam informações mais resumidas. Gestores e técnicos talvez tenham acesso somente a notas parciais e finais, ao passo que os próprios professores têm acesso a todos os detalhes de desempenho em suas disciplinas e a diferentes níveis de acesso a informações de outras áreas. Assim, um professor de física talvez possa consultar informações de desempenho de um estudante em matemática, enquanto um professor de história tem permissão para acompanhar as notas dos estudantes em atividades de redação. As decisões sobre tais questões precisam equilibrar questões éticas, de direitos quanto à divulgação de dados e de interesse pedagógico.
Questões de liberação e retenção de instrumentos de avaliação também precisam ser consideradas, e isto pode exigir diferenciar situações. Talvez a escola prefira não disponibilizar certas provas ou atividades, situação que precisa ser prevista. No entanto, esta não pode ser a norma para todas as situações, uma vez que o acesso aos instrumentos e suas respostas compõe o direito de feedback do estudante.
Tipos de feedback e seu grau de detalhamento também podem ser previstos na política. Pode ser também útil definir a quem cabe dar certos feedbacks. Por exemplo, será que o professor de uma disciplina deve dar feedback de todas as disciplinas em uma reunião com pais, ou isso deve ser feito apenas por professores específicos da disciplina? A tecnologia será uma ferramenta para isso, permitindo aos pais e responsáveis o acesso remoto a feedbacks escritos sobre o desempenho dos estudantes?
O ponto de equilíbrio
O contexto e as particularidades da escola oferecem a base para o ponto de equilíbrio na construção de uma política de práticas de avaliação. Diferentes culturas administrativas, contexto social, linhas pedagógicas, perfil dos estudantes, pais e responsáveis, tamanho do estabelecimento, características do corpo docente e técnico, recursos financeiros e tecnológicos afetam o que se pode fazer em relação à construção de uma política de avaliação.
Instituições de pequeno e médio porte talvez precisem de maior flexibilidade. Políticas extensas e muito detalhadas podem trazer mais malefícios do que benefícios nesse caso. Uma situação diferente pode se aplicar a grupos maiores ou sistemas educacionais públicos ou privados. O detalhamento pode ser uma necessidade desse perfil institucional.
Mas em qualquer caso, as escolas farão bem em elaborar e adotar diretrizes e princípios norteadores da avaliação. Mas e se sua escola, professor, não se preocupa em pensar tais questões e formular iniciativas a respeito? Pode ser interessante que você mesmo formule um conjuntos de princípios básicos para orientar seu trabalho. Nesse caso, você não deverá tratar de outros, como os pais e responsáveis, os gestores, secretários e demais colaboradores e professores. Seu documento deve definir algumas regras somente para você e seus alunos. Deve ser simples, flexível, e sucinto, mas ainda assim esclarecedor. Talvez baste ter ali algumas informações claras sobre o que é aceitável e o que é inaceitável e sobre os papéis desempenhados por você e seus alunos. Pode ser que com o tempo, sua ideia chame a atenção da gestão da escola e contribua para a adoção de uma política mais formal e abrangente.
Uma política de práticas de avaliação poderá poupar todos de dores de cabeça e profissionalizar ainda mais as práticas escolares.
A seguir, apresenta-se um modelo simples de uma política, que poderá servir de base para elaboração própria pela escola. É importante ressaltar que cada escola tem suas especificidades e, portanto, é fundamental que seus documentos reflitam sua realidade. Assim, o exemplo a seguir tem caráter apenas ilustrativo.
Política de Avaliação da Escola
Art. 1º – Da Finalidade e Princípios
A avaliação escolar tem por finalidade apoiar a aprendizagem dos estudantes, orientar as práticas pedagógicas e assegurar a transparência dos processos, observando a legislação educacional vigente, a ética institucional e os princípios do Projeto Político-Pedagógico da escola.
Art. 2º – Dos Direitos dos Estudantes
Os estudantes têm direito a:
I – informações claras, regulares e acessíveis sobre seu desempenho;
II – devolutivas construtivas em tempo hábil;
III – oportunidade de recuperação e reforço;
IV – interposição de recurso para revisão de provas e atividades avaliativas;
V – realização de avaliações em datas alternativas em caso de ausências devidamente justificadas.
Art. 3º – Dos Deveres dos Estudantes
Constituem deveres dos estudantes:
I – realizar suas atividades avaliativas com honestidade e responsabilidade;
II – abster-se de fraudes, plágio, uso indevido de tecnologias ou qualquer outra forma de desonestidade acadêmica;
III – cumprir os prazos estabelecidos no calendário escolar;
IV – respeitar as normas da escola quanto ao uso autorizado ou obrigatório de recursos tecnológicos e inteligência artificial em atividades avaliativas.
Art. 4º – Dos Direitos e Deveres dos Pais ou Responsáveis
Os pais e responsáveis têm direito a informações claras sobre o desempenho dos estudantes e sobre os procedimentos de recuperação, recursos, apresentação de justificativas e solicitações de segunda chamada.
Parágrafo único. Compete aos pais ou responsáveis acompanhar a vida escolar dos estudantes e cumprir as obrigações previstas nesta política, de modo a favorecer o processo formativo.
Art. 5º – Dos Professores
Compete aos professores:
I – elaborar e aplicar instrumentos de avaliação, respeitando os princípios desta política;
II – guardar e zelar pelos instrumentos avaliativos, assegurando a confidencialidade das informações;
III – observar os direitos dos estudantes, pais e responsáveis quanto ao acesso a resultados e feedbacks.
Parágrafo único. Em situações definidas pela direção ou coordenação pedagógica, a elaboração e aplicação das avaliações poderão ser atribuídas à gestão escolar.
Art. 6º – Dos Gestores, Técnicos e Colaboradores
Cabe aos gestores e à equipe técnica assegurar condições adequadas para a realização das avaliações, preservar a confidencialidade dos dados e garantir que eventuais empresas contratadas respeitem a legislação aplicável, em especial a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Art. 7º – Da Confidencialidade e Proteção de Dados
Todos os dados referentes às avaliações são sigilosos e protegidos nos termos da legislação vigente.
§1º O acesso a informações acadêmicas será diferenciado conforme o perfil do sujeito escolar:
I – estudantes: acesso integral às suas próprias informações;
II – pais ou responsáveis: acesso a boletins e relatórios destinados à sua função;
III – professores: acesso detalhado ao desempenho de seus estudantes nas disciplinas em que atuam;
IV – gestores e técnicos: acesso restrito, de acordo com a função desempenhada.
Art. 8º – Dos Instrumentos, Relatórios e Devolutivas
A entrega de provas, trabalhos e resultados obedecerá aos prazos definidos no calendário escolar.
§1º Serão disponibilizados diferentes tipos de boletins escolares, adequados ao perfil de cada público (estudante, responsável, professor ou gestor).
§2º O feedback ao estudante será garantido, de forma presencial ou eletrônica, em conformidade com os princípios pedagógicos da escola.
Art. 9º – Dos Recursos e Revisão de Resultados
O estudante, ou seu responsável legal, poderá solicitar revisão de notas ou reaplicação de avaliação em casos justificados, mediante requerimento formal junto à secretaria da escola.
Art. 10 – Do Uso de Tecnologias e Inteligência Artificial
O uso de tecnologias e de inteligência artificial em atividades avaliativas será regulado pela escola, podendo ser autorizado ou vedado, a depender da natureza da atividade e dos objetivos pedagógicos estabelecidos.
Art. 11 – Do Acompanhamento e Encaminhamentos
A escola acompanhará de forma contínua os resultados das avaliações, com vistas à promoção da avaliação formativa.
Parágrafo único. Serão providenciados encaminhamentos necessários para que os estudantes solucionem suas dificuldades ou explorem seu potencial, desde o início até o final do período letivo, quando então será proferida decisão de caráter somativo.
(Observação: esta política foi elaborada com o auxílio de IA a partir do texto acima elaborado pelo autor deste blog. Ela procura contemplar os principais pontos discutidos no texto. A imagem no início do artigo também foi elaborada com auxílio de IA).

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