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Engenharia reversa e exames: do que se trata?

  • Foto do escritor: SABELETRAS
    SABELETRAS
  • 24 de nov.
  • 4 min de leitura


Nos últimos dias, um caso polêmico envolvendo o que seria o vazamento de questões do ENEM 2025 invadiu os veículos de notícia e causou perplexidade entre estudantes, pais e jornalistas. Supostamente, um estudante teria acesso a questões do principal exame que possibilita o acesso ao ensino superior no país e teria as divulgado em live na internet para os interessados, levando a anulação de algumas questões da prova. Ao longo da semana, informações sobre como agia o estudante circularam com explicações que incluem o pagamento dos participantes do pré-teste do ENEM para revelar-lhe as questões até o uso de um algoritmo e de engenharia reversa. Aliás chama atenção que o estudante conheça o termo engenharia reversa neste contexto, algo em geral restrito a especialistas.


Não é o objetivo deste texto se aprofundar no caso, ou levantar suposições sobre a metodologia adotada pelo estudante ou mesmo sobre o processo de investigação ou a reação do INEP, o órgão responsável pelo exame. O objetivo aqui é falar desta tal engenharia reversa aplicada a exames. O termo engenharia reversa é aparentemente mais recente do que a própria prática. O Oxford English Dictionary atribui o surgimento do termo à década de 1950 no periódico Journal Patent Office Society, ao passo que certas fontes explicam que a prática remonta à antiguidade (Ver What is Reverse Engineering?). Mas o que é a engenharia reversa?


Dito de modo simples, a engenharia reversa é um tipo de análise de um objeto, instrumento, sistema ou até mesmo um exame no campo da educação, com o objetivo de se compreender sua estrutura, função, montagem. No caso de exames educacionais, uma aspecto importante do procedimento é descobrir o construto, ou habilidade, que as questões pretendem avaliar.


Não é possível afirmar que no caso noticiado, o estudante tenha de fato utilizado engenharia reversa, e como mencionado, nem se pretende adentrar nesta questão aqui. O ponto chave é que o procedimento de engenharia reversa, de fato, existe, inclusive no campo educacional e da avaliação, especialmente na análise e construção de exames. No caso da avaliação em contexto de línguas, a engenharia reversa é discutida por diversos autores, especialmente por Fulcher (2025), Fulcher e Davidson (2007) e Davidson e Lynch (2008).


A engenharia reversa pode ser utilizada para diversos objetivos. Um objetivo central é descobrir o construto ou habilidade avaliado pelo exame com o objetivo de subsidiar atividades de ensino ou mesmo criar simulados para preparar estudantes para a prova oficial. Esta pode ser uma meta polêmica - como ocorre com a engenharia reversa em muitos campos, inclusive na indústria e tecnologia - já que seu objetivo é "fabricar" uma cópia do exame original e assim facilitar o desempenho dos candidatos no processo avaliativo.


Outros objetivos podem ser menos controversos. Pesquisadores podem utilizar a engenharia reversa ou alguns de seus aspectos para fazer uma análise crítica sobre um exame, e assim contribuir com discussões científicas ou acadêmicas que promovam a melhoria do instrumento de avaliação. Um outro cenário de aplicação da engenharia reversa é quando um exame existe somente na forma de versões da prova, sem nenhuma documentação que permita compreender seus objetivos, funções e estrutura. Essa situação pode existir em contextos educacionais em que um instrumento de avaliação é utilizado há muito tempo, mas sem nenhuma análise crítica ou registro que permita compreendê-lo. A engenharia reversa poderia ser utilizada nesse caso para que os profissionais envolvidos no projeto possam construir as especificações do exame - uma espécie de receita de como o exame deve ser construído. A partir da definição das especificações, torna-se possível adotar uma padronização que confira identidade ao exame e permita a construção de diversas versões, as quais serão capazes de avaliar as mesmas habilidades, temas ou conteúdos. A aplicação do exame a partir de então será um processo mais consciente e embasado em seu contexto de uso, já que os profissionais terão uma visão clara das características do exame. Finalmente, a engenharia reversa pode ser utilizada na formação de professores para ajudá-los a compreender como um determinado exame se estrutura ou ainda para promover o letramento em avaliação em geral.


Embora o conjunto de práticas e técnicas na engenharia reversa seja bastante amplo e possa envolver inclusive procedimentos estatísticos em alguns casos, basicamente a engenharia reversa procura reconstruir por um processo de inferência a estrutura por trás do exame. Isto significa, é claro, que a estrutura aparente, ou seja, o formato e estrutura das questões, seus temas, os textos ou imagens que as acompanham também são considerados. O aspecto mais importante, porém, é compreender a estrutura profunda, constituída de construtos e micro-habilidades avaliadas no exame. A análise deve levar a um conjunto limitado de habilidades e conteúdos que são encontrados de forma recorrente em diversas versões do exame.


Assim, além do trabalho de análise profunda de uma versão do exame, será importante também comparar diferentes versões, de tal modo que se perceba quais características (conteúdos, construtos, micro-habilidades) se repetem e, portanto, constituem a essência do exame. A partir dessa análise, elabora-se um conjunto de especificações que definem as características de cada questão e a composição geral da prova (exame).


A engenharia reversa é, portanto, um procedimento altamente técnico, que exige uma análise cuidadosa e metódica de um instrumento de avaliação. Embora os motivos para empregá-la possam ser diversos, seu uso pode ser uma estratégia auxiliar interessante na formação de professores e de todos que trabalham com avaliação.

 
 
 

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