EVIDÊNCIA E AVALIAÇÃO
- SABELETRAS

- 21 de jul.
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A busca por evidências é uma das principais tarefas da pesquisa científica. O processo de pesquisa em geral parte da colocação de uma hipótese que deve ter o apoio de evidências favoráveis (e esta hipótese não deve ser enfraquecida por quaisquer evidências contrárias). Nas ciências sociais e humanas, as perguntas de pesquisa são mais comuns do que as hipóteses. Mesmo assim, a resposta a uma pergunta precisa ter base em evidências.
Mas que relação existe entre evidências de pesquisa científica e a avaliação? Afinal, a última coisa que talvez passe pela cabeça de professores em sala de aula é alguma semelhança entre sua atividade e a de cientistas. Nesse texto, porém, pretendo demonstrar que existe uma forte relação entre a avaliação e a busca por evidências, guardadas - claro! - as devidas proporções.
Antes, vamos refletir um pouco sobre o sentido e a origem da palavra "evidência". Sua formação deriva do prefixo latino "ex-", que tem a ideia de retirar, revelar, e o verbo latino "videre", que significa "ver" (https://etimologia.com.br/evidencia/ e https://dicionario.priberam.org/ex-). Então, especulando um pouco, podemos concluir que a palavra "evidência" sugere a ideia de tornar algo visível. Assim, quando se propõe uma hipótese e se buscam pelas evidências, no fundo, o que se procura é demonstrar que aquela ideia faz sentido, é razoável ou plausível, e que merece nossa confiança. A evidência torna "visível" a relação entre a hipótese e os fatos, porque revela os fatos que apoiam a hipótese.
Agora aqui existe um paradoxo. Na nossa vida cotidiana, temos um pouco de Tomé, isto é, nossa tendência é acreditar somente naquilo que vemos. A história da ciência e do conhecimento, porém, nos mostrou que devemos duvidar dos nossos sentidos, seja a visão ou outros, pois eles podem nos enganar. Devemos duvidar também de nossas crenças pré-concebidas e da opinião popular. Até mesmo o conhecimento estabelecido pode ser questionado. Assim, a ideia por trás da palavra evidência faz parecer que algo só é confiável e digno de nossa crença se for possível visualizá-lo, o que está longe de ser verdade, afinal, as aparências enganam.
A saída para este paradoxo é definirmos melhor a noção de "ver" contida na palavra evidência. Ver aqui é ver com a mente, ou com o raciocínio - e não com os olhos. Esta saída nos aproxima da ideia de razão entendida tanto como faculdade do raciocínio (como quando alguém diz que é preciso usar a razão e não a emoção) quanto como justificação (como quando se diz que alguém está com a razão em um debate ou justificado em sua posição). Nesse sentido, a evidência justifica a crença ou opinião de alguém. Ao propor uma hipótese, portanto, e encontrar evidências que a sustentam, alguém está justificado em acreditar ou tomar sua hipótese como verdade.
Mas a ideia de justificação leva a uma outra questão: para ser justificável uma posição não pode ser satisfatória somente para quem a propõe. Isto é, não basta que eu lance uma hipótese e encontre as evidências que a confirmam para que a minha posição seja justificável. Pode até ser que minha posição e as evidências sejam satisfatórias para mim, mas para serem aceitas por outros, elas precisam ser satisfatórias e justificáveis para outros. Elas devem ser convincentes para outros. O meu critério sozinho não é suficiente para que outros aceitem minhas alegações. Assim, as evidências precisam ser fortes e convincentes e apresentadas de tal modo que satisfaçam a outros. As evidências precisam compor uma argumentação que deve ser aceitável segundo os critérios de outros.
Estes elementos que constroem a ideia de evidência estão presentes nas atividades científica, filosófica e jurídica. O critério coletivo é fundamental para que as evidências sejam aceitáveis. Às vezes essa aceitação deve ser conquistada entre especialistas de uma área. Em outras ocasiões, a aceitação precisa alcançar também o grande público. Somente quando as razões para se acreditar em algo ficam evidentes (ou são observáveis de forma clara) é que se estabelece um conhecimento como aceitável ou válido. As evidências e argumentações relacionadas também devem estar disponíveis para o escrutínio de outros.
A relação entre evidência e avaliação
No campo educacional são comuns os debates sobre o uso de provas (ou testes ou exames) e outras formas de avaliação. Alguns professores e especialistas em educação e avaliação diferenciam o ato de avaliar do ato de testar, enquanto outros consideram que testar é uma entre diversas formas de avaliar. A discussão tem sua razão de ser, mas este não é o ponto principal da argumentação deste texto. O ponto chave é que independentemente da forma de avaliar (ou testar) a preocupação com as evidências deve estar presente.
Embora o professor não seja um cientista em sala de aula, existem dois motivos básicos para se preocupar com as evidências na avaliação:
1) O objetivo da avaliação é tornar visível o que não se pode ver: se os professores tivessem acesso às mentes dos estudantes e pudessem saber se eles possuem os conhecimentos e habilidades ensinados, a avaliação não seria necessária. A avaliação é, em certo sentido, a construção e a aplicação de instrumentos e procedimentos que permitam identificar a existência de conhecimentos e habilidades para que se possa tomar decisões, tais como aprovar, reprovar, diagnosticar, remediar, orientar e classificar - conforme o contexto e a necessidade. É preciso, portanto, tornar visível conhecimentos e habilidades que não são evidentes sem o uso dos instrumentos e procedimentos, e até determinar graus para sua presença. É preciso produzir evidências.
2) As conclusões e as decisões precisam ser convincentes para toda a comunidade escolar: a avaliação deve tornar possível não apenas que o professor chegue a conclusões sobre a situação dos estudantes. Essas conclusões precisam ser convincentes para os estudantes, seus responsáveis e as autoridades escolares. Não raramente também precisam ser convincentes para a sociedade em geral. De formar similar, as decisões precisam ser justificadas. Assim, a avaliação precisa produzir resultados satisfatórios não apenas para o sujeito que avalia (o professor), mas para todo o grupo de algum modo envolvido ou afetado pela avaliação - e pelo processo de ensino e aprendizagem. A avaliação precisa ser conduzida de tal modo que sustente uma argumentação robusta para as conclusões e decisões.
A avaliação é, nesse sentido, um processo de construção de instrumentos e procedimentos que permitem tornar "visível" ao professor e à comunidade escolar (às vezes até à externa) os dados que vão embasar as decisões sobre a situação acadêmica dos estudantes e o processo de ensino e aprendizagem. Esse processo precisa gerar resultados justos, confiáveis, válidos e transparentes.
Assim, pode-se dizer que a avaliação guarda semelhanças com a atividade científica no sentido de que também é uma atividade de produção de evidências. Claro que não se espera da avaliação de sala de aula o rigor da atividade científica, mas espera-se que sejam produzidas evidências convincentes. É, portanto, fundamental que os professores se preocupem em produzir avaliações de boa qualidade, independentemente dos instrumentos, metodologias e estratégias adotadas. De fato, pouco importa se os professores avaliam por meio de projetos, portfólios, apresentações, observações, provas (exames e testes) e se utilizam estratégias de avaliação professor/aluno, por pares, grupos ou autoavaliação. Em todos os casos, será de benefício para toda a comunidade escolar e para os processos de ensino e aprendizagem construir avaliações que produzam evidências de qualidade.


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